Ultrapassar o Medo da Cirurgia



Apesar dos avanços da Medicina e de grande parte das cirurgias serem já intervenções consideradas correntes, persiste, em algumas pessoas, um medo latente.


Helder Viegas, Diretor do Departamento de Urgência e Cuidados Intensivos no Hospital de Cascais refere que foi realizado, em 1995, no Serviço de Cirurgia do Hospital do Desterro, um estudo que se debruçou sobre a ansiedade dos doentes cirúrgicos no pré-operatório. Para o estudo, foi feito um inquérito, elaborado com a colaboração de um psicólogo, a 52 doentes submetidos à média e grande cirurgia pelos cirurgiões da equipe chefiada pelo cirurgião Luiz Damas Mora.

“A análise dos resultados permitiu estabelecer dois tipos de circunstâncias que, com mais frequência, são causas da ansiedade: circunstâncias gerais, comuns a todo o tipo de cirurgia e circunstâncias específicas, relacionadas com a cirurgia sobre determinados órgãos ou sistemas”, descreve Helder Viegas. No primeiro caso, as causas de ansiedade prendiam-se com a possibilidade de doença maligna, dor no pós-operatório, eventual necessidade de transfusão e medo de “não acordar da anestesia”. Em seguida a causa mais frequente de ansiedade estava relacionada ao medo de ser necessária uma colostomia. “Naturalmente, atos cirúrgicos realizados por outras especialidades desencadearão outros medos, como lesões neurológicas definitivas, impotência sexual, ou outros”, refere o cirurgião.

Consolidar a relação de confiança
“É minha convicção que, explicar ao doente, de forma acessível, em que consiste a cirurgia é fundamental para combater o medo que se instala quando é transmitida a notícia que tem de ser operado”, defende Helder Viegas. Segundo o cirurgião, este esclarecimento deve ser acompanhado de informações claras sobre os benefícios e riscos do ato cirúrgico, destruindo alguns conceitos e mitos ainda muito presentes. “A segurança com que o cirurgião esclarece as dúvidas e presta as informações é diretamente proporcional à confiança adquirida pelo doente”, afirma. Porém, não deve confundir-se segurança com arrogância ou distanciamento. Qualquer destas tem um efeito contrário ao desejado, alerta o cirurgião.

No estudo referido, verificou-se que, já no bloco operatório, rodeado de um ambiente hostil e desconhecido, o que mais tranquiliza o doente é encontrar o “seu cirurgião”, provavelmente a única pessoa que ele reconhece entre tantas caras, vindo, logo a seguir, a compreensão e apoio do anestesista e equipe de enfermagem.

A preservação da relação médico-paciente é, pois, um pilar fundamental no combate à ansiedade no período pré-operatório, pelo que o cirurgião deve manter o hábito de trocar algumas palavras tranquilizadoras com o “seu doente”, antes da indução anestésica.

Conselho do especialista
“O doente deve estar consciente da confiança que tem no seu cirurgião, colocando-lhe antecipadamente todas as suas dúvidas e receios, sem tabus, não hesitando em escolher outro cirurgião se aquela relação não se reveste de confiança e cumplicidade mútuas. É esta, a meu ver, a base para a diminuição do medo legítimo de um ato cirúrgico”, recomenda Helder Viegas.